“Quando entrou na sala, ele olhou e
falou ‘que lindo’, com uma expressão de criança mesmo, verdadeira e
emocional. Se uma criança gosta, é porque a gente tem algo puro, tem
algo bom na mão. Foi o Michelzinho quem escolheu a marca.”
Elsinho Mouco, o publicitário por trás
da nova identidade visual do governo do país sob comando de Michel
Temer, fala extasiado sobre o momento em que o filho de sete anos do
presidente interino se encantou pela imagem que seu pai vai usar para
simbolizar e vender o atual momento político.
Das duas versões mostradas às vésperas
do afastamento da presidente Dilma Rousseff a Temer e sua mulher,
Marcela, na casa da família em São Paulo, Michelzinho gostou daquela em
que a esfera celeste com uma faixa que diz “Ordem e Progresso” flutua
sobre a palavra “Brasil” vista em perspectiva, logo abaixo do globo.
Esse recurso ao lema da bandeira
nacional não é um acaso. Tem a ver com a explosão de verde e amarelo que
tomou conta das ruas nos movimentos contra a administração petista,
alvo de marchas históricas pelo país, como a que levou meio milhão de
manifestantes à avenida Paulista em março, o maior ato político já
registrado em São Paulo.
Mas mesmo que tenha encantado os Temer
num momento fofo dos bastidores do marketing político, o gosto de
Michelzinho não reflete as tendências do design atual.
Um tanto retrô, distante da onda de
simplificação e releitura da austeridade do modernismo que domina o
design nos últimos anos, a marca causou estranhamento entre designers
ouvidos pela Folha pelo uso do degradê azulado e de seus contornos tridimensionais.
PLIM-PLIM
Na visão de Rico Lins, que está no júri
do prêmio de design do Museu da Casa Brasileira, a marca de Temer também
lembra uma espécie de “Globo requentada”. “É superconservador,
retrógrado.”
Vários designers compararam a peça ao
trabalho de Hans Donner, criador da identidade visual da TV Globo no
auge de sua carreira, que decolou em 1974 com o logo da emissora
desenhado num guardanapo.
“Não tem uma mensagem nova. É uma marca
muito feia, muito ‘coxinha’ e feita às pressas. Não tem estudo,
elegância. Parece uma coisa do Hans Donner de 50 anos atrás. Já mostra
de cara uma certa caretice e ranço desse governo”, afirma o designer
Milton Cipis, da agência Brander. “Não é moderno, jovem, não tem
esperança, não tem nada.”
Reprodução | ||
Formas geométricas de Hans Donner criadas para a novela ‘Explode Coração’, de 1996 |
Inconfundível, o estilo de Donner,
turbinado pela superexposição nas vinhetas do canal líder do país, virou
uma marca das décadas de 1980 e 1990, em especial com o advento da
computação gráfica, que deu asas e cores à imaginação do austríaco.
No fundo, o designer repaginou o
vocabulário de formas geométricas simples, calcado na austeridade da
Bauhaus, a célebre escola alemã de design dos anos 1920, com efeitos
tridimensionais e degradês multicoloridos. Seus toques luminosos também
fazem tudo parecer mais resplandecente ou purpurinado.
Mas a estratégia de Donner vem perdendo
fôlego desde a virada para o século 21, quando o design começou a se
simplificar. Há um retorno a ideias do alto modernismo. Efeitos
tridimensionais saem de cena e são substituídos por logotipos chapados e
mais sintéticos –como eram, aliás, as marcas do governo Dilma Rousseff.
Reprodução | ||
Último logo usado por Dilma Rousseff em seu governo |
Mesmo a Globo vem suavizando os traços
de Donner. Daí o estranhamento causado pela marca federal, com cara de
“cartela de novela antiga”, na opinião de jovens designers.
Hoje no comando da imagem institucional
da Globo, Donner foi procurado para comentar a nova marca e as
comparações com o seu estilo, mas não se manifestou.
MARQUETEIRO
Enquanto abria e-mails de amigos
repercutindo sua criação, Mouco parecia radiante, encarando como elogio a
comparação com Donner, “um baita craque”. “O doutor Michel queria uma
marca límpida, clara, simples como ele é”, diz o publicitário. “Não fiz
nada demais, mas estou vendo que bombou mesmo.”
Ele rebateu as críticas sobre a falta de
elegância do logotipo, dizendo que ele reflete o estado de caos nas
contas públicas e na saúde do país, além da alta do desemprego.
Há 15 anos trabalhando para o PMDB, o
marqueteiro é visto como um especialista no partido de Temer, mas é
pouco conhecido no campo do design gráfico. Ele também já atuou nas
campanhas de Gabriel Chalita para a prefeitura paulistana, em 2012, e na
de Edison Lobão Filho para o governo do Maranhão, em 2014.
Mesmo que o símbolo do PMDB tenha uma
chama vermelha, uma preocupação da nova marca federal, de acordo com
Mouco, era remover o tom que lembra o governo “impichado”. Também há um
esforço para associar toda a nova gestão à mesma identidade visual
–conceito que comparou ao “plim-plim” da Globo, lembrando, no entanto,
que sua esfera azul não é referência à TV e sim ao “céu brasileiro”.
Jovens designers como Beto Uechi e Gil
Tokio, do estúdio Pingado, veem ali uma atmosfera carregada. “O logotipo
dá a sensação de estar sendo visto de baixo para cima. Isso pode ser
interpretado como um Estado onipotente e grandioso, talvez opressor”,
disseram. “A adoção do slogan ‘Ordem e Progresso’ contribui para isso.”
Mas Mouco vai na contramão desse
pensamento e diz que fará para a campanha da agora peemedebista Marta
Suplicy à prefeitura paulistana um “lindo ‘M’ à la Hans Donner”. “Espero
que tenha esse mesmo sucesso global.”
POSITIVO
Um dos maiores especialistas em design gráfico do país, Chico Homem de Melo, defendeu a marca do novo governo.
“Em vez de criar um novo slogan, num
momento em que está falando em união nacional, ele usa o que está
escrito na bandeira, que é o maior ícone da nossa identidade”, afirma.
“Achei inteligente como saída para o momento político, correta e
adequada para os fins do Temer.”
Boa ou ruim, de esquerda ou de direita, a
marca, como quase tudo no atual momento político, despertaria o humor
cáustico da internet.
Foi o que aconteceu. A nova identidade
visual do governo é alvo de paródias nas redes sociais –já transformaram
o globo azulado da bandeira em emoticons variados ou na barriga da
supergrávida fake de Taubaté.
É tudo que Mouco não queria. Dias antes
da posse de Temer, ele disse que sua marca “não tem grávida, gado
correndo e poço de petróleo”.
REFERÊNCIA POSITIVISTA
Estampado na bandeira do Brasil adotada
em 1889, logo depois da proclamação da República, o lema “Ordem e
Progresso” sintetiza uma frase do filósofo francês e fundador da
sociologia Auguste Comte –”o amor por princípio, a ordem por base, e o
progresso por fim”.
A ideia está na base da escola
filosófica conhecida como positivismo, surgida na primeira metade do
século 19. Ancorado no interesse por leis naturais, a ideia do movimento
era interpretar o mundo não a partir das possíveis causas de seus
fenômenos, mas buscando entender as leis que os regem, ou relações
constantes entre fatos que podem ser observados.
A bandeira do país, uma adaptação do símbolo do Império, foi criada por Raimundo Teixeira Mendes.
Fonte: Folha
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